Caixa evita citar prazo e lança incerteza sobre repasse de R$ 12 bi ao Tesouro

Caixa Econômica Federa
A Caixa Econômica Federal ainda avalia o valor exato dos depósitos judiciais devidos ao Tesouro Nacional e evita citar um prazo para a conclusão dos repasses, o que lança incertezas sobre as receitas incluídas pela equipe econômica no Orçamento de 2023 para atenuar o déficit primário —estimado em R$ 145,4 bilhões.

Embora o governo tenha sinalizado na revisão bimestral que vai arrecadar R$ 12,6 bilhões com a correção de um erro em depósitos que não tiveram a adequada destinação legal, nem a Caixa nem o Ministério da Fazenda confirmaram o montante quando procurados pela Folha.

Após novos questionamentos, o banco disse que os valores “só serão finalizados após a verificação das contas de depósitos judiciais”. A instituição não respondeu se o pagamento será concluído ainda neste ano ou se haverá negociação de um cronograma.

Nos bastidores, interlocutores admitem que o pagamento efetivo pode acabar sendo menor do que o relatado pelo governo em documento oficial.

A questão tem relevância porque a inclusão dessa receita ajudou o governo a minimizar a piora nas contas no relatório bimestral divulgado em 21 de julho. Sem os recursos dos depósitos judiciais, o rombo teria se aproximado dos R$ 158 bilhões —ainda mais distante da promessa do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de um déficit ao redor de R$ 100 bilhões.

Os procedimentos para contabilizar novas receitas e despesas passam por uma fiscalização criteriosa do TCU (Tribunal de Contas da União), que deve solicitar diligências sobre o tema no âmbito do acompanhamento dos relatórios bimestrais.

Como revelou a Folha, a Caixa constatou um erro em depósitos judiciais de valores envolvendo disputas com a União ou entidades federais e abriu uma auditoria para investigar o caso.

Por lei, os valores deveriam ter sido repassados à conta única do Tesouro Nacional, mas isso não ocorreu porque os depositantes deixaram de informar que uma das partes no processo era a União ou alguma entidade ou órgão federal alcançado pela regra.

Os depósitos são de diferentes exercícios, mas houve maior concentração a partir de 2020. É possível que a flexibilização adotada pelos tribunais para dispensar o comparecimento dos depositantes às agências físicas em plena pandemia de Covid-19 tenha contribuído para o problema. Outras razões também estão sendo investigadas, com os montantes exatos envolvidos.

“Assim que apurados os valores, será definida, em conjunto com a STN [Secretaria do Tesouro Nacional] e Receita Federal, a forma de transferência dos recursos”, afirmou a Caixa, sem se comprometer com um prazo específico.

Interlocutores reconhecem que o processo de verificação pode resultar num repasse inferior ao esperado pelo governo. A preocupação é evitar a transferência de valores que podem ser alvo de algum tipo de controvérsia.

Segundo relatos, as contas com maior indício de enquadramento na regra (por terem algum CNPJ da União envolvido no processo) totalizavam R$ 8 bilhões em estimativas iniciais. A cifra não foi confirmada nem negada pelo banco. Fontes do governo, por sua vez, tratam como “incontroversos” os R$ 12,6 bilhões.

Procurada, a Caixa disse apenas que as estimativas apresentadas pelo governo “estão suportadas” por informações apresentadas pela instituição em apurações realizadas “até o momento”. Mas o próprio banco também afirma que as contas de depósito judicial ainda estão sendo verificadas e que o valor final dependerá da conclusão desse processo.

Segundo fontes ligadas ao assunto, a Caixa apresentou números preliminares, com base nos quais o governo fez sua projeção e decidiu pela inclusão no Orçamento.

A Folha solicitou ao Ministério da Fazenda a confirmação da existência de um ofício ou documento da Caixa informando a cifra de R$ 12,6 bilhões, bem como esclarecimentos sobre como se deu a decisão de contar com os depósitos na estimativa de arrecadação. A pasta, por meio da Receita Federal, disse que não iria se manifestar.

Segundo relatos, membros da Caixa ficaram incomodados após constatarem que o governo usou a sinalização de uma “expectativa de transferência” do banco para ampliar a previsão de arrecadação em 2023. O movimento foi visto como uma forma de pressionar a instituição a concluir o repasse até 31 de dezembro deste ano e contribuir para a redução do rombo nas contas.

Há ainda diferentes versões sobre como o tema surgiu no radar das autoridades. A Caixa disse, por meio da assessoria de imprensa, que a verificação dos depósitos judiciais foi iniciativa do próprio banco e que o assunto vem sendo discutido com o Tesouro Nacional.

Uma autoridade do governo, porém, disse à Folha sob reserva que foi o Ministério da Fazenda quem pediu o levantamento, inspirado em uma ação semelhante feita na Prefeitura de São Paulo quando Fernando Haddad era chefe do Executivo municipal. Segundo a fonte, o governo sabe que “há sempre depósitos não repassados”.

O Ministério da Fazenda tem três representantes no Conselho de Administração da Caixa, sendo um deles o próprio secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron —que, inclusive, preside o colegiado.

Desde a divulgação do caso pela reportagem, diferentes interlocutores relatam maior estresse em torno do tema, que tem sido alvo de intensa discussão na cúpula do banco e deve entrar no radar dos conselhos de supervisão.

O Judiciário também ligou o sinal de alerta. Embora o repasse dos depósitos à conta única do Tesouro constitua uma receita para o governo, há obrigação de restituição dos recursos em caso de derrota da União no processo.

O CJF (Conselho da Justiça Federal) informou que se reuniu na quarta-feira (2) com representantes da Caixa para “garantir que os depósitos judiciais permanecerão à pronta disposição do juízo”. O banco confirmou o encontro, realizado com a área técnica da instituição, e disse que os recursos enviados à União “estarão à disposição do juízo no dia seguinte à solicitação” em caso de necessidade.

ENTENDA OS NÚMEROS
R$ 12,6 bi
É a elevação de receitas esperada neste ano após a Caixa repassar recursos ao Tesouro

R$ 145,4 bi
Déficit fiscal projetado pelo governo mesmo após os repasses

R$ 100 bi
Déficit aproximado projetado por Haddad no começo do ano (correspondente a -1% do PIB) com as novas medidas de receita

Colaborou José Marques

Idiana Tomazelli/Folhapress

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