Cidades que cresceram com o petróleo afundam na crise
@Stock Locais sofrem com desemprego, crise no comércio e perda de arrecadação |
Vinte anos após o fim do
monopólio estatal no setor de petróleo, as cidades que concentram a atividade
no país vivem um cenário desolador, com crescimento no desemprego, crise no comércio
e perda de arrecadação.
A situação reflete a redução
abrupta das operações nos últimos anos, provocada pela interrupção dos leilões
após a descoberta do pré-sal, da situação financeira da Petrobras e da queda
das cotações internacionais do petróleo.
A lei 9.478/97, que pôs fim ao
monopólio da Petrobras, foi publicada em 6 de agosto de 1997, trazendo ao país
petroleiras estrangeiras e gerando forte crescimento da atividade e da receita
dos municípios próximos à produção.
Segundo a ANP (Agência Nacional
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), apenas 39 poços exploratórios,
aqueles perfurados em busca de novas reservas, foram concluídos no Brasil no
ano passado, ou um sexto do pico de 238 atingido em 2011.
Os números de 2017 mostram que a
situação pode ficar ainda pior: até maio, foram apenas sete. com menos poços, o
número de sondas em operação no Brasil caiu da casa das 90 para apenas 16.
Especialistas estimam que cada sonda marítima empregue diretamente cerca de
1.000 pessoas. As terrestres geram entre 60 e 70 vagas, dependendo do porte.
Dados compilados pela Firjan
(Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) com base nas
estatísticas do Ministério do Trabalho mostram que o estoque de empregos na
atividade de exploração e produção de petróleo no país caiu 21% desde 2013,
para 49,1 mil em 2016.
A reportagem esteve em duas das
principais cidades petroleiras do país, que passaram por um período de bonança
na virada da década e hoje sentem os efeitos da crise: Catu (BA), que é base
das atividades na maior bacia terrestre brasileira, e Macaé (RJ), sede da
Petrobras para a bacia de Campos, onde foi desenvolvida a exploração marítima
no país.
Nas duas, os efeitos se espalham
para além do setor, atingindo o comércio e a administração pública.
Na opinião do professor da
PUC-Rio Alfredo Renault, o cenário atual mostra que, 20 anos após a publicação
da lei 9.478 -que atraiu novas empresas e ampliou as alíquotas de royalties do
petróleo-, os municípios ainda não conseguiram reduzir a dependência do setor.
"A riqueza gerada pelo
petróleo deveria ser uma oportunidade para construir políticas públicas e
diversificar a economia. Mas nesse primeiro ciclo isso não aconteceu."
MOTOTÁXI
"Se você for perguntar por
aqui, tem um monte de gente que já trabalhou com petróleo e hoje está
batalhando a vida na 'motinha'", diz Joaquim Souza Cruz, 41, apontando
para o ponto de mototáxi em frente ao hospital municipal de Catu (BA), a 90
quilômetros de Salvador.
Cruz trabalhou por 14 anos com
perfuração de poços petrolíferos e chegou a ganhar R$ 2.600 por mês. Há cinco,
luta para tirar R$ 40 por dia transportando pessoas na garupa a R$ 3 por
viagem.
"Tem soldador, motorista
classe E (habilitados para conduzir os caminhões pesados usados no transporte
de sondas)... Olha um aí", ele aponta para Ademário Santana, 42, que
aderiu ao mototáxi depois de perder o emprego há três anos.Santana recebia R$
3.000 por mês como
lixador em Macaé, no norte
fluminense. Sem emprego, decidiu voltar para casa há três anos, depois de ter
vivido no Paraná, em São Paulo e no Rio.
Com a queda na renda, ambos
tiveram de se adaptar. A decisão mais dolorosa, para os dois, foi transferir os
filhos para a escola pública.Primeiro polo petroleiro do país, Catu foi a base
da expansão da produção nacional nas décadas no século passado, antes da
descoberta das reservas marítimas da bacia de Campos.
Sede de instalações das
principais fornecedoras globais do setor, como as americanas Halliburton e
Baker Hughes e a francesa Schlumberger, a cidade experimentou um período de
grande crescimento com a chegada de petroleiras privadas após o fim do
monopólio.
No auge, em 2011, chegou a ter 14
sondas procurando petróleo e 45 para intervenção em poços produtores. Hoje, há
quatro de exploração e 17 de produção.
Com a queda no número de poços, a
arrecadação do município com ISS caiu 35% entre 2013 e 2017, para R$ 11
milhões. O estoque de emprego na atividade de apoio ao setor de petróleo, que
era de 1.640 vagas, caiu na mesma intensidade, para 1.072 em maio."Entre
2009 e 2011, faltava mão de obra. Os salários subiram e muita gente foi atrás
de cursos de especialização. Hoje, estão brigando pelas vagas", diz o
diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia, Radiovaldo Costa.
ANEXO FECHADO
A pedido das fornecedoras da
Petrobras, o empresário Luiz Carlos Góes investiu R$ 650 mil em 2012 para
construir um anexo em seu hotel, dobrando o número de quartos. Pouco mais de um
ano depois, fechou o anexo por falta de demanda.
"A gente acaba consumindo
todas as economias que tem para sobreviver", diz ele, que decidiu abrir
uma loja para diversificar as receitas e hoje conta com a ajuda da família para
tocar o negócio.
A empresária Eloí Rodrigues, 64,
teve menos sorte. Natural de Concórdia (SC), foi parar em Catu seguindo
companhias de pesquisa sísmica, espécie de ultrassonografia do subsolo, para
quem fornecia serviços de alimentação.
Com a suspensão da atividade,
perdeu o último contrato há três anos e teve de vender dois imóveis e o carro
para quitar dívidas. "A família toda ficou desempregada. Minha filha teve
de parar a faculdade." Nos tempos áureos, servia 1.500 refeições ao dia.
Hoje, tenta sobreviver de um restaurante em um posto na entrada da cidade.
"A gente fica estressada,
com problemas de saúde", conta, sem muita esperança em melhora.
PRA DO DESEMPREGADO
Logo na chegada a Macaé (RJ), a
190 quilômetros do Rio, chama a atenção o grande número de estabelecimentos
comerciais fechados, com placas de "aluga-se" ou
"vende-se", uma mostra de quanto a crise do petróleo se alastrou para
outros setores da economia local.
O Sindicato dos Empregados do
Comércio de Macaé estima que 630 estabelecimentos tenham fechado as portas na
cidade apenas neste ano. Quem sobreviveu teve de se adaptar à nova rotina."Uma
hora dessas, tinha um mar de pessoas passando aqui na porta. Hoje, é só esse
pouquinho aí", lamenta o comerciante Paulo Roberto Laje Soares, 54,
apontando para a saída de empregados do porto da Petrobras no horário do
almoço.
Dono de uma padaria na área há
oito anos, ele demitiu seis das oito atendentes. Das duas restantes, uma
trabalha em meio período. "O movimento caiu uns 70%."Principal base
de apoio às operações da bacia de Campos, a cidade acumula um saldo negativo de
29.118 postos de trabalho desde 2015, segundo dados do Ministério do Trabalho,
depois que a Petrobras decidiu focar seus recursos na expansão do pré-sal na
bacia de Santos.
O desemprego é tão grande que a
praça Veríssimo de Melo, na área central do município fluminense, passou a ser
conhecida como "praça do desempregado".
BICOS
"É aqui que a gente se
encontra para dialogar, para trocar informação", afirma Reginaldo de Jesus
Gonçalves, 51, 25 deles trabalhando no setor de petróleo como plataformista,
profissional responsável pelas operações no convés de uma sonda de perfuração.
"Neste tempo todo, foi a
primeira vez que fiquei sem emprego", conta ele, há um ano procurando nova
ocupação. Perdeu o salário de R$ 2.200 e tem se virado com bicos.
A Petrobras diz que o foco de seu
plano de negócios é reduzir o elevado endividamento dos últimos anos para
permitir "um ciclo virtuoso de mais investimentos, maior receita, mais
empregos, royalties e arrecadação". Com informações da Folhapress.
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