Para ministro do STF, Fundo de R$ 3,6 bi a partidos 'é um desaforo'
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© Carlos Humberto/ SCO/ STF Luís Roberto Barroso defende valor de, no máximo, R$ 1 bilhão |
Crítico do atual modelo eleitoral
e partidário brasileiro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal
Federal (STF), considera um "desaforo" a criação de um fundo público
com R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas, como está sendo discutido na
Câmara. Diz que o valor teria de ser menor, chegando, no máximo, a R$ 1 bilhão.
Futuro vice-presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2018, Barroso aponta como
positiva a proibição da doação empresarial nas eleições, sistema que, segundo
ele, era "mafioso".
O ministro defende o barateamento
das campanhas, o aumento da representatividade no Parlamento e a ampliação da
governabilidade. Para ele, a solução é o Congresso aprovar o voto distrital
misto para as eleições de 2022, mesmo pagando o "preço do distritão"
para 2018 e 2020. "Se não passar a reforma política, vamos continuar
afundando no lamaçal que se tornou a política brasileira, e a lama já passou do
pescoço", afirmou o ministro ao Estadão/Broadcast. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
Sistema atual
Para o ministro, o sistema
eleitoral brasileiro, com voto proporcional, lista aberta e coligações, é um
"desastre completo". "O eleitor não sabe exatamente quem ele
elegeu, e o candidato não sabe exatamente por quem ele foi eleito", diz.
"Não tem como funcionar, porque o eleitor não tem de quem cobrar e o
candidato não tem a quem prestar contas. Esta é, a meu ver, a principal causa
do descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Viraram mundos
apartados, e isso, se perdurar por muito tempo, oferece um risco democrático.
Portanto, é preciso reaproximar a política da sociedade."
O ministro critica a profusão de
partidos políticos - atualmente são 35 registrados no TSE - e diz que o Supremo
errou ao eliminar a cláusula de barreira, em julgamento em 2006. "Existem
mais de três dezenas de partidos, existem outros tantos esperando na fila, de
baixíssima densidade programática, e, na verdade, esses partidos acabam virando
negócios privados. E, frequentemente, negócios privados desonestos, porque
esses partidos vivem de apropriação privada do Fundo Partidário e da venda do
tempo de televisão", afirma.
Fundo eleitoral
"A alternativa que se
cogita, de R$ 3,6 bilhões, na atual conjuntura brasileira, é um desaforo, e,
portanto, é compreensível a reação da sociedade. Um número mais compatível com
a realidade brasileira, R$ 800 milhões, por exemplo, até R$ 1 bilhão, é uma
discussão razoável, considerando a transição do modelo que nós temos para o do
distrital misto, que é muito mais barato."
Governabilidade
No atual modelo presidencialista,
segundo Barroso, o mandatário tem "excessivo protagonismo" e
"mais poderes para fazer o mal do que o bem". A proposta do ministro
é a adoção do semipresidencialismo, em que o presidente seria eleito pelo voto
direto, conduziria as relações internacionais e indicaria o primeiro-ministro,
bem como os ministros do Poder Judiciário.
"A eventual substituição do
primeiro-ministro não abalaria as instituições, porque o fiador da estabilidade
institucional é o presidente da República, que tem mandato e não pode ser
destituído", avalia Barroso.
Distritão
Barroso diz não ver com simpatia
o distritão, por considerar que esse sistema dificulta a representação de
minorias e pode até encarecer as eleições. "Não me importaria que ele
passasse, se esse for o preço para passar ao distrital misto em seguida. O
sistema atual é tão ruim que possivelmente o distritão não é pior",
avalia.
E completa: "Acho que nós
ainda vamos ter uma eleição difícil (em 2018), mas, se passar a reforma
política com o distrital misto, nós teremos um caminho para o futuro. Se não
passar a reforma política, vamos continuar afundando no lamaçal que se tornou a
política brasileira, e a lama já passou do pescoço", afirma.
Enfraquecimento das siglas
Barroso rebate as críticas de que
os partidos políticos seriam enfraquecidos com a aprovação do distritão.
"Enfraquecimento dos partidos não é uma profecia. É um diagnóstico. Os
partidos já estão dilacerados, quase todos envolvidos em coisas erradas. Uma das
situações reveladas pela Operação Lava Jato é que a corrupção no Brasil é
multipartidária. Ninguém pode apontar o dedo para ninguém neste momento no
Brasil. A única discussão que pode ter é: ‘O
seu partido é mais corrupto do que o meu’", afirma.
Doações empresariais
O ministro se opõe a qualquer
possibilidade de voltar ao modelo de doações empresariais para campanhas,
barrado pelo STF em 2015. Segundo ele, esse sistema foi "indecente no
Brasil".
"O sistema era imoral no
sentido constitucional da falta de moralidade administrativa, e, portanto, o
Supremo fez muito bem em fulminá-la (doação empresarial). Pior que imoral, ele
era mafioso, como aliás a colaboração premiada da JBS mostrou. Tudo era
comprado. Do financiamento à desoneração, era pago com dinheiro público, era
pago com recurso desviado", afirma.
Paternalismo
Apesar de apoiar financiamento
público para as próximas eleições, Barroso defende o fim desse sistema a longo
prazo. "A meta tem de ser acabar com o fundo. A política precisa ser
financiada pela cidadania. Você vai conquistar adeptos, fazer crowdfunding
(financiamento por meio de pequenas quantias, geralmente doadas pela internet
por pessoas físicas), vai à sociedade buscar dinheiro. Essa dependência
permanente da verba pública que se criou no Brasil para tudo tem que acabar. A
sociedade tem que acabar com essa dependência do Estado. Esse paternalismo que
existe no Brasil em relação a tudo precisa diminuir", diz. Com informações
do Estadão Conteúdo.
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