No Alasca, geleiras escancaram impacto de mudanças climáticas

© Jonathan Ernst/REUTERS
Em 2015, uma delas, que fica sobre uma montanha, já havia retrocedido dois quilômetros desde 1815
Três meses antes de assinar o Acordo de Paris, em 2015, o então presidente Barack Obama posou para as câmeras diante da geleira Exit, num parque nacional em Seward, no Alasca, para falar sobre a importância de combater o aquecimento global.
"Queremos ter certeza de que nossos netos vejam isso", disse. Em 2015, a geleira, que fica sobre uma montanha, já havia retrocedido dois quilômetros desde 1815. Só no último ano, havia diminuído 41 metros em sua extensão.
O Alasca foi escolhido por Obama para o seu esforço final antes da Conferência do Clima de Paris justamente por ser o Estado americano em que os impactos do aquecimento do planeta são mais perceptíveis. Quatro meses depois de assumir o poder, Donald Trump retiraria os EUA do acordo global.
"Aqui o efeito é bastante visual: você vê a retração das geleiras, a degradação do permafrost [área de solo que fica congelada permanentemente]. É difícil lutar contra o argumento de que antes a geleira estava ali e agora não está mais", diz Martin Truffer, físico especialista em geleiras da Universidade do Alasca em Fairbanks.
Espalhadas pelo parque, que foi visitado pela reportagem, há placas com anos, mostrando toda a extensa área que era ocupada pela geleira Exit naquela época. A marcação assustadoramente começa onde hoje é a estrada de acesso ao parque.
A retração não é exclusividade do parque em Seward, no centro-sul do Alasca. Segundo o Serviço Nacional de Parques, das mais de 100 mil geleiras do Estado, 95% estão atualmente diminuindo de tamanho ou estagnadas.
Dados da agência federal de pesquisa geológica dos EUA (USGS), mostram que as geleiras do Alasca perdem hoje 75 bilhões de toneladas de gelo por ano -um quadro muito mais acelerado que na década de 50.
Truffer explica que, no caso da maioria das geleiras do Alasca, que estão sobre as montanhas, a única justificativa para a retração é o aquecimento global.
"As geleiras em oceanos têm sua própria dinâmica, que as faz retroceder e expandir. Mas nas geleiras mais simples, como as do Alasca, o que importa é o quanto elas recebem de neve e o quanto derretem, coisas que são influenciadas pela temperatura."
Segundo o especialista, há variações sazonais, e portanto uma possível expansão das geleiras no inverno, mas a mudança é quase imperceptível ao olhar.
Estudos recentes mostram o impacto das mudanças climáticas além das geleiras. Pesquisadores da Universidade Harvard publicaram levantamento neste ano que revela que as emissões de gás carbônico pela tundra na encosta norte do Alasca cresceu 70% entre os meses de outubro e dezembro, desde os anos 70.
A tundra é a vegetação que fica sob o gelo nas áreas de permafrost. Com as temperaturas mais altas, uma maior parte dessas áreas tem descongelado e demorado mais para congelar novamente no fim do outono. Sua exposição maior permite a respiração das plantas e decomposição orgânica, que liberam CO2.
Outro impacto é visto em vilas litorâneas do Alasca. Segundo o governo, pelo menos 31 delas -geralmente ocupadas por comunidades nativas- estão sob risco de inundações ou erosões por conta do aumento no nível do mar.
Truffer observa que o derretimento das geleiras do Alasca tem impacto direto sobre os ecossistemas e a rede hidrográfica locais, mas não influencia no aumento do nível do mar.
"Perto das geleiras, o nível do mar, na verdade, está baixando. E a razão é porque o gelo 'afunda' a terra, e quando ele vai embora, essa terra se eleva novamente", diz.
O especialista admite que, apesar de o Alasca apresentar mudanças mais "óbvias", o impacto econômico é muito maior com o aumento do nível do mar na Flórida. "Mas talvez não impacte tanto as pessoas no Alasca porque também não temos tanta gente assim", diz Truffer, rindo. (Folhapress)

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