Moro: políticos não têm interesse em combater a corrupção
© Reuters / Adriano Machado
Em entrevista, Sergio Moro disse que 'as pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo dos diálogos entre Lula e Dilma'
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O juiz federal Sergio Moro,
responsável pela Operação Lava Jato, acredita que falta interesse da classe
política brasileira em combater a corrupção. Em entrevista ao jornal Folha de
S. Paulo, o magistrado também rebateu as críticas sobre ter fixado benefícios
para réus que ainda estão negociando delação premiada.
"Lamentavelmente, eu vejo
uma ausência de um discurso mais vigoroso por parte das autoridades políticas
brasileiras em relação ao problema da corrupção. Fica a impressão de que essa é
uma tarefa única e exclusiva de policiais, procuradores e juízes", afirmou
Moro.
Moro também defendeu o
levantamento do sigilo da interceptação telefônica da conversa entre o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff, em
2016. Segundo ele, "as pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo
daqueles diálogos".
O responsável pela sentença do
ex-presidente Luiz Inácio da Lula Silva também quis esclarecer a questão de
haver ou não provas que incriminassem o petista:
"Sobre a sentença do
ex-presidente, tudo o que eu queria dizer já está na sentença, e não vou fazer
comentários. Teoricamente, uma classificação do processo penal é a da prova
direta e da prova indireta, que é a tal da prova indiciária. Para ficar num
exemplo clássico: uma testemunha que viu um homicídio. É uma prova direta.Uma
prova indireta é alguém que não viu o homicídio, mas viu alguém deixando o
local do crime com uma arma fumegando. Ele não presenciou o fato, mas viu algo
do qual se infere que a pessoa é culpada. Quando o juiz decide, avalia as
provas diretas e as indiretas. Não é nada extraordinário em relação ao que
acontece no cotidiano das varas criminais".
Questionado sobre as críticas do
ministro Gilmar Mendes à Lava Jato (o ministro disse que a operação criou um
"direito penal de Curitiba", com "normas que não têm a ver com a
lei"), Moro afirmou que não faria réplica ao discurso de Mendes. "Não
seria apropriado. Juízes têm entendimentos diferentes. Não obstante, nos casos
aqui julgados, não há direito extraordinário. Na Lava Jato, para a interrupção
do ciclo de crimes, era necessário tomar algumas medidas drásticas –entre elas,
por exemplo, as prisões antes do julgamento. E as decisões têm sido, como
regra, mantidas", justificou Moro.
Ao responder sobre o que pode
representar uma ameaça à Lava Jato, o juiz federal considera que há uma
"ausência de um discurso mais vigoroso por parte das autoridades políticas
brasileiras em relação ao problema da corrupção".
"Fica a impressão de que
essa é uma tarefa única e exclusivamente de policiais, procuradores e juízes.
No Brasil, estamos mais preocupados em não retroceder, em evitar medidas
legislativas que obstruam as apurações das responsabilidades, do que
propriamente em proposições legislativas que diminuam a oportunidade de
corrupção. Vejo no mundo político uma grande inércia", afirma.
ESCUTAS LULA E DILMA
A Folha questiona Moro sobre as
escutas que envolveram os ex-presidentes Lula e Dilma. "O sr. escreveu que
o conteúdo revelava tentativas de obstruir investigações. É possível entender
que a medida de tornar público esse conteúdo tinha como objetivo proteger a
Lava Jato?".
A reposta de Moro diz que a
decisão sobre o levamento do sigilio foi pensando no direito das pessoas em
saber a respeito do conteúdo.
"A escolha adotada desde o
início desse processo era tornar tudo público, desde que isso não fosse
prejudicial às investigações. O que aconteceu nesse caso [dos grampos de Dilma
e Lula] não foi nada diferente dos demais. As pessoas tinham direito de saber a
respeito do conteúdo daqueles diálogos. E por isso que foi tomada a decisão do
levantamento do sigilo.Um efeito indireto ao dar publicidade para esses casos
foi proteger as investigações contra interferências indevidas. Afinal de
contas, são processos que envolvem pessoas poderosas, política e
economicamente. Na prática, pode haver tentativas. Então, tornar tudo público
também acaba funcionando como uma espécie de proteção contra qualquer obstrução
à Justiça. E isso é muito importante. Foi seguida a Constituição. Dentro de uma
democracia liberal como a nossa, é obrigatório que essas coisas sejam trazidas
à luz do dia".
O CRIME COMPENSA?
Moro também foi questionado se o
crime no Brasil compensaria, pois, na Lava Jato há mais de 150 acordos de
delação premiada e muitos dos colaboradores ficarão presos por dois anos. Logo
parte deles vai voltar às ruas.
"A colaboração de criminosos
vem com um preço: ele não colabora senão pela obtenção de benefícios. Isso faz
parte da natureza da colaboração. Muita gente não tem acordo nenhum, continua
respondendo aos processos, alguns foram condenados, estão presos. Essas pessoas
também vão sair da prisão um dia. Faz parte do sistema. O que acho que tem que
ser comparado é que, no passado, como regra, o que havia era a impunidade. As
pessoas nem sequer sofriam as consequências de seus crimes. Em muitos casos,
nem sequer eram descobertas. A sensação de impunidade era ainda maior",
respondeu o juiz.
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