Janot se diz 'consternado com corrupção dos mais altos dignatários'
© Reuters / Ueslei Marcelino "O fim da corrupção é uma meta inalcançável", disse o procurador-geral da República |
O procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, avalia que, sem a delação do empresário Joesley Batista, da JBS,
não seria possível identificar "o complexo esquema de pagamento de
propina" envolvendo o presidente Michel Temer, o ex-deputado Rodrigo Rocha
Loures - ex-assessor especial do peemedebista -, o senador Aécio Neves
(PSDB-MG) e o procurador Ângelo Goulart.
Em entrevista ao jornal O Estado
de S. Paulo, Janot defende enfaticamente o instituto da colaboração. Ele
classificou de "decisão histórica" o recente julgamento do Supremo
Tribunal Federal (STF) que "confere segurança jurídica aos
colaboradores".
O procurador pondera que, apesar
do amplo conhecimento do Ministério Público em grandes investigações, há muita
dificuldade em desmontar organizações criminosas, "já que a regra, nesses
casos, costuma ser a Omertà, ou seja, o silêncio como garantia de vida".
"Com as colaborações
premiadas, os réus confessam os crimes, apresentam detalhes do funcionamento
dos esquemas e ajudam na indicação dos líderes", afirma. Com quatro anos
de mandato, a serem completados no dia 17 de setembro, Janot deverá ser
substituído pela subprocuradora-geral da República Raquel Dodge - indicada por
Temer. Na quarta-feira próxima, dia 12, Raquel será sabatinada na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.
Janot deixa o comando do
Ministério Público com um sentimento, segundo suas próprias palavras.
"Tenho a convicção de que não me omiti." E com uma certeza. "Os
inimigos da Lava Jato são os mesmos que integram os esquemas desvelados na
Operação."
O procurador, com 33 anos de
Ministério Público, trava um embate histórico com o presidente, a quem acusa
formalmente por corrupção passiva no caso JBS. Janot está convencido de que
Temer era o destinatário real da propina de R$ 500 mil - 10 mil notas de R$ 50
- que o ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR) recebeu em uma mala preta na noite
de 28 de abril no estacionamento de uma pizzaria em São Paulo.
Na mesma investigação com base na
delação da JBS, o procurador denunciou e pediu a prisão do senador Aécio Neves
(PSDB-MG), por supostamente pedir propina de R$ 2 milhões a Joesley.
Outro alvo da ofensiva de Janot é
um colega da própria instituição que comanda, o procurador Ângelo Goulart,
preso sob suspeita de atuar como infiltrado do delator da JBS, em troca de uma
mesada de R$ 50 mil.
Como recebeu a decisão do STF
sobre os limites da delação premiada?
Foi uma decisão histórica, que
fortalece o instituto da colaboração premiada e confere segurança jurídica aos
colaboradores. A decisão do Supremo foi certeira ao garantir que os acordos
celebrados na legalidade, com os colaboradores cumprindo todas as obrigações
assumidas, serão mantidos. A competência do plenário ao julgar os acordos é
revisional, limitada à verificação do cumprimento das cláusulas pelos colaboradores
bem como a uma eventual ilegalidade que possa macular a validade do ato
jurídico. O STF foi muito enfático ao reafirmar a possibilidade de o Ministério
Público firmar os acordos de colaboração com a garantia de que serão mantidos
quando obedecidos os requisitos legais.
Sem a delação não há como
combater as grandes organizações criminosas?
O instituto da colaboração
premiada ainda é muito recente no Brasil, apesar de ser largamente usado em
outros países. Desde o caso Banestado, essa prática tem-se mostrado cada vez
mais eficiente no combate ao crime organizado. Apesar do vasto conhecimento do
Ministério Público em grandes investigações, sabemos da dificuldade em desvelar
crimes praticados por organizações criminosas, já que a regra, nesses casos, costuma
ser a Omertà, ou seja, o silêncio como garantia de vida. Com as colaborações
premiadas, os réus confessam os crimes, apresentam detalhes do funcionamento
dos esquemas e ajudam na indicação dos líderes. No caso da colaboração dos
executivos do grupo JBS, por exemplo, fica evidente que sem a colaboração de um
integrante da organização não seria possível identificar o complexo esquema de
pagamento de propina envolvendo o presidente da República, um deputado federal,
um senador e, até mesmo, um procurador da República.
Quem são os inimigos da Lava
Jato?
Acredito que aqueles que querem
frear a Lava Jato são os mesmos que integram os esquemas desvelados na
Operação. Essas pessoas são inimigas do Brasil. É preciso pensar que a Lava
Jato está jogando luz sobre um esquema, que funciona há várias décadas,
envolvendo setores públicos e privados na compra de apoio político em troca de
favores. Os acusados criaram um sistema político-econômico baseado no
compadrio, no pagamento de propina e no desvio de dinheiro de obras públicas
essenciais para o país. Dinheiro da educação, da saúde, da segurança pública e
de infraestrutura foi usado para satisfazer interesses espúrios de empresários
e políticos em busca de benefícios pessoais e poder. O objetivo da Lava Jato é
justamente fazer cessar essa prática que parece arraigada no sistema
brasileiro. Fico consternado em ver que, após 3 anos e meio de investigações
que já culminaram em mais de 157 condenações, ainda tenhamos que deparar com
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em curso, praticados pelos mais altos
dignatários da República, enquanto o Brasil passa por uma grave crise
econômica, com índice recorde de desemprego e inadimplência, por exemplo.
Teme a reedição da Mãos Limpas no
Brasil? A corrupção triunfará?
O Brasil passa por um processo de
amadurecimento da democracia. Temos visto nos últimos anos o aumento do
interesse da população pela pauta política e a ampliação do debate em torno das
questões de interesse público. Acredito que podemos aprender com exemplos de
outros países que passaram por situações semelhantes. Os resultados da Mãos
Limpas foram desastrosos para a Itália e tiveram consequências que perduram até
hoje. Não acredito que isso se repetirá aqui. O anseio de mudança dos
brasileiros é legítimo e deve ser atendido. A solução do Brasil passa pela
política. Pela boa política. Aquela voltada aos interesses da coletividade. O
fim da corrupção é uma meta inalcançável. Mas é possível acabar com a corrupção
endêmica, e essa é uma tarefa de todos. Não podemos tratar com naturalidade a
troca de favores na política e nos negócios.
O Ministério Público está no
caminho certo ou comete abusos como alegam críticos da instituição?
A instituição como um todo tem
feito avanços significativos em diversas áreas. Tivemos conquistas importantes
do ponto de vista da gestão e da própria atuação técnica. Como toda estrutura
composta por pessoas, está suscetível a erros e é importante reconhecê-los. É
natural que, em razão do trabalho de investigação e acusação, surjam críticas
como estratégia de defesa do acusado. Mas não concordo que existam abusos por
parte do Ministério Público. Temos como ponto basilar da atuação a observância
à Constituição Federal e nos pautamos por ela. Nossa atuação é técnica,
apolítica e responsável.
A escolha pelo presidente do
segundo colocado na lista tríplice da ANPR o decepcionou?
Eu sempre defendi que a lista
tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República
(ANPR) fosse respeitada. Nas vezes em que concorri à lista, enalteci a
legitimidade dos três nomes apresentados pelo Colégio de Procuradores à
Presidência da República. Costumo dizer que a lista não é una. A categoria
indicou três nomes que considera bons para ocupar o cargo de procurador-geral e
o presidente respeitou isso.
Que legado Rodrigo Janot deixa
após quase quatro anos no comando da PGR?
É muito cedo para fazer qualquer
análise sobre esse período. O que posso dizer, hoje, é que o Ministério Público
Federal passou por um notável amadurecimento, contribuindo para fortalecer a
imagem da nossa instituição, nacional e internacionalmente. Implementei o
planejamento estratégico, que conferiu uma modalidade inovadora de gestão, mais
profissional. O gabinete do PGR passou a contar com assessorias integradas por
membros da carreira, o que proporcionou agilidade e redução do acervo e
garantiu a conquista do certificado ISO 9001. O trabalho de combate à corrupção
tornou-se o principal destaque, por conta de grandes investigações como a Lava
Jato. Nesse sentido, é preciso lembrar alguns avanços importantes que esse
trabalho proporcionou, como a consolidação do modelo de forças-tarefa, a
eficiência do instrumento da colaboração premiada e a relevância da cooperação
internacional. Esses três fatores permitiram que o Ministério Público Federal
alcançasse os resultados tão expressivos que vemos hoje.
Onde o senhor acertou? E onde
errou?
Precisamos de um certo
distanciamento para avaliar criteriosamente. Tenho a consciência de que, em
mais de 30 anos de Ministério Público, cometi erros e também errei nesses quase
quatro anos à frente da Procuradoria-Geral da República. Entendo que erros são
consequência de ações e só está isento de falhas aquele que deixa de agir.
Encaro os tropeços com tranquilidade. Nunca tive problema para reconhecer o
erro e reajustar o caminho. Mas sei que contribuí para a construção de uma
instituição melhor para os membros e servidores e para o Brasil.
O senhor tem aspiração política?
Foi sondado por algum partido? Concorrer a algum cargo eletivo está fora do seu
horizonte?
Não tenho pretensão de concorrer
a nenhum cargo político que seja, apesar das muitas especulações envolvendo meu
nome. Respeito muito a atividade política e quem tem vocação para seguir esse
caminho. Entretanto, não é o meu objetivo.
Faria tudo de novo?
Sim. Acredito que o resultado
final de todo o trabalho foi positivo.
Algo de que se arrependa?
Não. Tenho a convicção de que não
me omiti; não me furtei do meu compromisso com as atribuições do Ministério
Público.
O que planeja para os meses que
ainda lhe restam de mandato?
Continuarei com o trabalho firme
e determinado até o último dia.
O que vai fazer depois que sair
da PGR?
Quando deixar o cargo de
procurador-geral da República, permanecerei no Ministério Público Federal
exercendo minhas funções como subprocurador-geral da República.
Valeu a pena?
Quando assumi o cargo, não
imaginava me deparar com uma investigação do porte da Lava Jato, que exigiu
grandes esforços e medidas inéditas como a prisão de um senador (Delcídio do
Amaral) ou a denúncia contra um presidente da República. O desafio foi enorme
mas, se eu pudesse escolher, faria tudo de novo. Como disse o poeta, "tudo
vale a pena, se a alma não é pequena".
(Fonte: Noticias ao minuto)
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