Advogado da Odebrecht vê delação como ‘acordo de rendição’
Para Theo Dias, Lava Jato revelou a “relação promíscua, parasitária, entre atores públicos e privados" (Fotos: Zanone Fraissat/Folha Press e Divulgação) |
O advogado Theodomiro Dias Neto, que coordenou todo o longo e exaustivo
processo de negociação da Odebrecht com a força-tarefa da Operação Lava
Jato, classifica a colaboração premiada como “um acordo de rendição”.
Durante dez meses, de fevereiro a dezembro de 2016, Theo Dias, como é
conhecido, experimentou etapas de muita tensão nas negociações que
culminaram na assinatura do maior pacto de delação premiada da Lava Jato
- envolvendo 77 executivos e ex-funcionários da empreiteira.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele diz que a operação
revelou a “relação promíscua, parasitária, entre atores públicos e
privados”, mas o saldo positivo pode ser “um novo ambiente de negócios
no Brasil”.
Como a Lava Jato influi no Direito Penal?
Quais?
As reformas do Direito Penal são aquelas necessárias para
regulamentar melhor o sistema com o público, o relacionamento entre o
setor público e o privado. É necessário criar mecanismos para
aperfeiçoar o sistema de compras públicas, de contratações públicas.
Qual a sua avaliação sobre as Dez Medidas, o pacote levado ao Congresso pelo Ministério Público Federal?
Tenho profundo respeito pelos procuradores da República e pelos
policiais federais que integram a força-tarefa. São profissionais
jovens, entusiasmados, que trabalham 16 horas por dia na investigação.
Isso, por si só, já é algo discrepante na média do serviço público
brasileiro. Um nível de dedicação que não é comum. Tenho uma série de
divergências, obviamente, de natureza jurídica no conteúdo, na forma
como denúncias são apresentadas, na excessiva duração de prisões sem
pena. Acho que em alguns casos, desnecessariamente longas. Entendo que
essas Dez Medidas - concordo com algumas delas - estão voltadas a
facilitar, a assegurar maior transparência na relação do poder público.
Eu acho que é possível, sim, pensar em reformas legislativas no sistema
recursal para que ele seja mais ágil, sem que isso signifique redução de
garantias.
Há uma cruzada de procuradores e juízes contra o garantismo no Brasil?
Não podemos criar uma contraposição entre a eficiência da aplicação
da lei penal e o sistema de garantias processuais necessárias para que o
processo seja justo. As garantias penais fazem parte da realidade em
qualquer país que se pretenda civilizado. Você mede a força do estado de
direito pelas garantias processuais penais. No caso da Lava Jato
estamos vendo que essa operação está acontecendo dentro do atual
arcabouço jurídico do País. Independentemente de maiores modificações
legais, a operação está acontecendo com as garantias que estão aí,
previstas pela Constituição, que podem até em alguns casos estar sendo
questionadas pela defesa, mas o sistema está aí para avaliar se elas
estão sendo cumpridas. O que está fazendo a diferença na Operação Lava
Jato é a qualidade da investigação criminal. Isso vem permitindo que a
aplicação da lei penal seja eficiente. É fundamental que a eficiência do
Direito Penal não seja uma eficiência a qualquer preço. A eficiência a
qualquer preço é a Gestapo.
Há um ano, uma centena de juristas, advogados, assinaram
manifesto classificando a Lava Jato como uma operação de uma
‘neoinquisição’...
Divirjo de muitas das interpretações jurídicas que vêm sendo dadas no
âmbito da Operação Lava Jato. Por exemplo, no entendimento da extensão
do crime de lavagem de dinheiro. Me parece excessivamente abrangente.
Não é coerente com o conceito de crime de lavagem. A forma como o crime
de lavagem vem sendo interpretado em muitas das denúncias e decisões não
me parece adequada. Também entendo que em muitas das prisões houve uma
abertura da interpretação, mais abrangente do que vinha ocorrendo, mas
não acredito que seja um sistema inquisitivo e também não gosto de
comparações com o regime militar, como alguns costumam fazer. Acho que,
de fato, a situação no Brasil hoje, o grau, a dimensão da Operação Lava
Jato tem levado juízes inclusive de tradição liberal, como o ministro
(do STF) Celso de Mello, a adotarem as posições mais rígidas com relação
à questão da prisão processual, entendendo que os riscos para o
processo, nesses casos, justificam uma exceção da prisão temporária.
Como foram as negociações até a delação da Odebrecht?
Não pretendo entrar na discussão do caso Odebrecht. Posso dizer, de
forma genérica, que qualquer negociação de um acordo de delação premiada
envolvendo pessoas ou empresa tem como primeiro grande desafio a
criação de um ambiente de negociação. A complexidade desse processo pode
ser maior ou menor dependendo do número de pessoas envolvidas,
dependendo do tempo, do momento em que você está, dependendo do
interesse do Ministério Público no acordo, dependendo da quantidade de
informações que o Ministério Público tem ou não à disposição. A
construção desse ambiente de negociação passa necessariamente pela
construção de uma credibilidade, pela constatação de que você não está
ali fazendo um jogo de cena, de que você realmente deseja o acordo, de
que você está à disposição de revelar os fatos, está com disposição de
virar uma página na sua vida. Esse é um primeiro grande desafio. Um
acordo de colaboração premiada não é um acordo de pessoas, de partes em
posições simétricas. Há uma relação de total assimetria de poder nessa
relação. O acordo de colaboração premiada é um acordo de rendição, em
que uma parte está se rendendo à outra. O que é importante, é
fundamental e um desafio para você fazer um acordo é que no caso de uma
empresa ninguém faz um acordo para morrer, você faz um acordo para
sobreviver.
Qual foi o papel do Emílio Odebrecht no processo de delação?
O que eu posso dizer é que o Emílio Odebrecht tem sido a grande força
propulsora de mudanças dentro da empresa. Ele é a pessoa que decidiu
virar essa página e, portanto, foi o grande indutor de todo esse
processo. Sem Emílio Odebrecht isso não teria acontecido.
A Lava Jato ficou marcada pelo grande número de delações
premiadas. Há quem considere um exagero e que prisões ocorrem para
forçar a colaboração...
Acredito no acordo de delação premiada. É um instrumento importante e
deve estar à disposição do Estado como um instrumento para o combate e
prevenção a ilícitos. Se consegue até evitar que outros ilícitos possam
ocorrer. O risco é a excessiva dependência do Estado na delação
transformar o sistema penal num sistema preguiçoso. A confissão que
volta a ter aquele valor que tinha no período inquisitivo de rainha das
provas. O Estado não pode estar dependendo das delações, mas eu não acho
que é o que está acontecendo necessariamente.
A decisão do Supremo de autorizar a prisão em segunda instância teve influência?
Além dessa decisão, o que está influindo na Lava Jato é a celeridade
das decisões. Eu discordo dessa decisão porque entendo que dentro da
atual realidade penal não há uma interpretação possível que autorize a
prisão após a decisão em segunda instância. Para que isso ocorra é
necessário que haja uma mudança da lei.
O que a Lava Jato revelou? Caixa 2 ou propina?
Há de tudo. É uma discussão que seguirá. A Lava Jato trouxe exemplos
de doações oficiais que eram atos de corrupção e há também doações não
oficiais, no caso o caixa 2, que não necessariamente estão vinculados a
uma contraprestação, ao chamado toma lá dá cá. Teremos um desafio
dogmático importante para diferenciar com maior rigor técnico o crime de
caixa 2 eleitoral e o crime de corrupção.
(Fonte: Diário do Poder)
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