Cartilha da PM-BA que associa tatuagens a crimes é apresentada à Guarda Municipal de Salvador

Com a finalidade de “oferecer aos agentes de segurança” elementos “encontrados no corpo das pessoas que cometem delitos”, a cartilha “Tatuagens: Desvendando Segredos”, da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), tem sido distribuída para membros do curso de capacitação da Guarda Municipal de Salvador. A obra, que relaciona o uso de gravuras na pele com os crimes que um indivíduo cometeu – ou a suposta intenção de cometê-los –, é apresentada de forma “independente” aos guardas municipais que desejam ter conhecimento mais profundo do seu conteúdo. Nela, o desenho de uma índia é associado a “matador de policiais e praticante de roubos (...), de perfil frio e violento”; o de Jesus Cristo a “indivíduos envolvidos em práticas de homicídios ou mesmo latrocínio”; a “maioria de portadores” de um palhaço ou do Coringa, personagem do Batman, a “ligações com práticas de roubos, formação de quadrilha e possibilidade de envolvimento em mortes de policiais”; e o diabo a “pistoleiros” ou “indivíduos que têm pacto com o diabo”. De acordo com o superintendente de Prevenção e Segurança da cidade, Peterson Portinho, responsável pela guarda, o uso da apostila é “não sistemático”. “O Capitão Alden, da Polícia Militar, que escreveu esse material, foi instrutor de defesa pessoal da Guarda Municipal. Alguns de nós tivemos instrução sobre a cartilha”, apontou.

 
Oficialmente apresentada pela SSP-BA em 2011 e impressa a partir de 2012, o trabalho, segundo o Capitão Alden, é fruto de oito anos de pesquisa em cerca de 40 mil documentos de inquéritos policiais e institutos médicos legais da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e outros estados. “Esta cartilha tem sido apresentada não só para a Guarda Municipal, mas para todos aqueles que trabalham com o serviço da segurança pública, direta ou indiretamente. Por exemplo, vou fazer palestra com ela semana que vem a convite da Associação dos Magistrados da Bahia. Também farei para promotores, juízes e delegados”, lista o PM-pesquisador ao BN. O panfleto, segundo ele, não deve ser entendido de forma a levar à prisão de pessoas inocentes – ou que cometeram pequenos delitos – como membros de facções criminosas ou responsáveis por crimes hediondos. “É preciso deixar muito claro que o trabalho não tem objetivo nenhum de discriminar ou criar preconceito em relação ao tema”, avaliou. Alden diz que, em suas palestras, ensina aos trabalhadores da área de segurança que não se pode “discriminar o cidadão ainda que ele tenha uma tatuagem contida na cartilha”. “Ele tem que fazer um levantamento e cruzamento de dados. É apenas mais uma ferramenta que poderá dar, ao policial, elementos inicialmente, subjetivos. É uma cartilha de orientação. A partir dela, o policial tem que buscar mais informações através da rede Infoseg e buscar a fichas criminais”, considerou.
 
Foto: Reprodução / Facebook

Eduardo Lopes tatuou um palhaço nas costas e diz que "não tem medo" que a imagem traga problemas

 
Se os PMs seguirem a recomendação do Capitão Alden, o estudante de Administração Eduardo Lopes não tem com o que se preocupar. Há dois anos, ele tatuou a imagem de um palhaço com um cigarro na boca em suas costas e garante: mesmo depois de conhecer a cartilha, não se arrepende de ter escolhido a figura. “Por que eu vou me preocupar? Tem tanto gordo nerd que tatuou o Coringa no corpo e não tem nenhuma ligação com o crime. A imagem da índia, por exemplo, é muito comum nos malucos que tatuaram o rosto da ex-mulher e depois da separação tiveram que cobrir a tatuagem”, deu de ombros. Segundo ele, até o momento, o palhaço não trouxe problemas. “Eu não sou um cara de sair sem camisa e nunca tomei um ‘baculejo’. Todo mundo fala que eu vou me dar mal com essa tatuagem, mas até agora não aconteceu nada”, relevou. A cartilha diz que o personagem do palhaço tatuado em criminosos “geralmente vem com características inconfundíveis, tais como sorriso sarcástico/irônico, às vezes com dentes afiados, sangue escorrendo pela boca ou nos olhos, portando arma de fogo e/ou branca”. “A gente diferencia tatuagem artística das tatuagens do mundo criminal”, explicou o Capitão Alden. “As artísticas não têm um padrão específico e o contexto, que pode significar um momento ou um pensamento da pessoa. Já a criminal tem um padrão bem definido. O lugar que você coloca, a posição, a formatação e o tipo de linha também são importantes”. Para o PM, um palhaço tatuado em quem não tem ligação com o crime “traz elementos diferentes”. “Quando você fala do palhaço, vem a figura do palhaço que você conhece desde criança. Um palhaço alegre, que traz elementos para divertir o público. No caso dos bandidos, você até percebe quando ele utiliza uma tatuagem que não é do mérito dele. Eles [os bandidos] levam tão a sério que a tatuagem, quando não é merecida, é arrancada com estilete ou ferro quente”, relatou.
 
 
Em São Paulo, desde 1940, há um acervo de tatuagens criminais, segundo Alden. O PM diz que há pelo menos 500 mil fotos cadastradas no banco de dados paulista e que membros de organizações criminosas usam gravuras que os identificam, como a carpa nos integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). “Isso não é algo restrito à Bahia, temos em todo o Brasil. Algumas dessas imagens existem desde o começo do século 20, nas máfias russas ou americanas”, relembrou. De acordo com ele, “mais de 400 conduções de flagrante delito” foram ajudadas por identificações de tatuagens da cartilha. “Inclusive os policiais citaram no relatório que a prisão só foi possível pelo acesso à cartilha e que ela teria ajudado no cruzamento de dados”, comemorou. Na Guarda Municipal, 450 pessoas serão capacitadas para tomar conta das praças públicas de Salvador. Desse número, 35 concluíram o curso de tiro e mais 40 se formarão na próxima turma. “E vamos progressivamente passar esse curso para toda a Guarda Municipal”, declarou o superintendente Portinho. O responsável pela defesa dos bens soteropolitanos também afirma que os guardas só portarão armas após um exame psicotécnico, com psicólogos credenciados pela Polícia Federal, para assegurar que o instrumento de proteção não seja usado de forma coerciva em cidadãos sem envolvimento com atividades ilícitas. Tatuados ou não.
 

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