Ex-diretor da Petrobras quebra o silêncio: 'Lula comandava esquema'
Renato Duque sempre preferiu
ficar calado, mas agora decidiu falar.
Segundo disse, Lula controlava
desvio de dinheiro da Petrobras para o PT.
A Operação Lava Jato obteve nesta
sexta-feira (5) um depoimento explosivo, em Curitiba.
Renato Duque trabalhou por mais
de 30 anos na Petrobras . Ocupou a Diretoria de Engenharia e Serviços entre 2003
e 2012. Dentro e fora da empresa, era tido como indicação do então ministro
José Dirceu. Os dois sempre negaram essa relação.
Duque foi preso pela primeira vez
em novembro de 2014, na sétima fase da Operação Lava Jato, e 19 dias depois,
foi solto por um habeas corpus do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal
Federal.
Em março de 2015, a segunda
prisão, na décima fase da Lava Jato. De acordo com o Ministério Público
Federal, ele tinha 20 milhões de euros em contas no Principado de Mônaco, e fez
várias transferências, consideradas crimes de lavagem de dinheiro.
Na casa de Renato Duque, na Zona
Oeste do Rio, a Polícia Federal apreendeu mais de cem obras de arte. Os
policiais também encontraram uma sala secreta atrás de um armário, com
documentos e joias.
O ex-diretor de Serviços já foi
condenado em quatro processos da Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro.
As penas somam mais de 57 anos de prisão. Ele é réu em outros seis processos na
Justiça Federal do Paraná, também por corrupção e lavagem de dinheiro.
Em todas as vezes que foi
interrogado, Renato Duque preferiu ficar calado. Há alguns meses, tentou um
acordo de delação premiada, mas não teve sucesso.
Mas Duque mudou de ideia. Foi ele
mesmo que pediu para depor ao juiz Sérgio Moro, e neste depoimento desta sexta,
Duque acusou o ex-presidente Lula de controlar todo o esquema de desvio de
dinheiro da Petrobras para o Partido dos Trabalhadores.
No início do depoimento, Renato
Duque disse que a propina paga por empresas já existia quando ele assumiu a
Diretoria de Serviços da Petrobras, em 2003, e que todos do PT sabiam da
existência do esquema.
Duque: Quando existia um
contrato, seja ele qual fosse, que corria uma licitação normal, o partido ou o
tesoureiro do partido normalmente procurava a empresa pedindo contribuição. E a
empresa normalmente dava porque era uma coisa institucionalizada na companhia,
isso. O Paulo Roberto cuidava da área do PP, Partido Progressista, a área do
PT, eu que cuidava. Leia abaixo O DEPOIMENTO de Renato Duque.
Moro: Mas o senhor não conversou
com ninguém a respeito dessas contribuições?
Duque: Todos sabiam.
Moro: Todos quem?
Duque: Todos do partido, desde o
presidente do partido, tesoureiro, secretário, deputados, senadores. Todos
sabiam que isso ocorria.
Moro: Isso foi desde o seu
ingresso? Desde que o senhor assumiu esse cargo já havia essa situação?
Duque: Já havia essa situação.
Moro: E permaneceu até a sua
saída?
Duque: Permaneceu até a minha
saída.
Moro: Quem era responsável por
arrecadar esses recursos para o Partido dos Trabalhadores junto às empresas?
Duque: Eram os tesoureiros.
Inicialmente o Delúbio, posteriormente o Paulo Ferreira e depois o Vaccari.
Moro: O senhor tratou com algum
deles sobre esse assunto?
Duque: Tratei com os três.
Divisão da propina
Em seguida, Duque explicou a
divisão do dinheiro desviado da Petrobras para corruptos da própria empresa e
para o PT, e falou sobre os milhões que juntou pra ele próprio no esquema de
corrupção com a participação do ex-gerente da área de Serviço e também delator
Pedro Barusco.
Duque: Desse 1%, o que o Barusco
chamava de Casa ficava com metade, 0.5%, e o resto ia para o partido. Mas isso
era uma referência, em nem todos os contratos se praticava esse percentual. Se
alguém se recusasse a pagar não tinha penalidade. Barusco disse que eu era
preguiçoso em relação ao trato com dinheiro. Não era questão de preguiça.
Quando atingiu determinado valor, aquilo para mim era mais do que suficiente.
Quando atingiu US$ 10 milhões eu pensei: ‘É muito mais do que eu preciso e
minha terceira geração’.
Vaccari
Renato Duque também contou que
foi o então presidente Lula quem indicou João Vaccari Neto para cuidar da
arrecadação de propina de fornecedores da Petrobras para o PT. Segundo Duque,
quem lhe contou sobre a decisão de Lula foi o então ministro do Planejamento,
Paulo Bernardo.
Duque: Eu conheci o Vaccari em
2007, não era tesoureiro mas começou a atuar na arrecadação. Ficou uma coisa à
parte.
Moro: E por quê?
Duque: Porque o então presidente
Lula determinou isso. Eu fui chamado a Brasília e essa pessoa falou: ‘Olha você
vai conhecer uma pessoa indicada pelo ...’ e fez esse movimento (Duque faz um
gesto como que tocando a barba). Não citava o nome. O presidente Lula era
conhecido como Chefe, Grande Chefe, Nine, ou pelo movimento (tocar a barba).
‘Você vai receber uma pessoa que está sendo indicada e ele vai conversar com
você, ele vai ser agora quem vai atuar junto às empresas que trabalham com a
Petrobras.
Paulo Bernardo chegou e disse que
a partir de agora vai ter contato com Vaccari. Ele vai fazer os contatos com as
empresas.
Moro: O que o Lula tem a ver com
isso?
Duque: Segundo o Paulo Bernardo,
o Lula é que tinha determinado isso.
Moro: O Paulo Bernardo é que
afirmou?
Duque: Sim senhor.
Licitações
Renato Duque também falou sobre
as informações que o tesoureiro petista João Vaccari tinha sobre as licitações
da Petrobras.
Duque: O Vaccari tinha uma
capacidade tão grande de interlocução, vamos chamar assim. Ele sabia muito mais
de resultados de licitações do que eu. Eu não precisava passar informações para
o Vaccari procurar as empresas como muita gente pensa. Ele mesmo já sabia e
procurava, ele comentava: empresa tal não está pagando.
Sete Brasil
Segundo Renato Duque, o dinheiro
de propina da Sete Brasil teria abastecido contas do PT, de José Dirceu e de
Lula. E o então ministro Antonio Palocci teria gerenciado os valores desviados
para o presidente.
Duque apresentou uma versão
detalhada para o acordo de divisão do dinheiro sujo.
Duque: Ele, Barusco, diz pro
Vaccari que tinha fechado com todos os estaleiros a participação de 1% em cima
dos contratos, sendo que Kepel e Jurong tinha fechado em 0,9%. Ele propôs nessa
ocasião uma divisão ao estilo que ele praticou na Engenharia com metade para a
Casa e metade pro partido. O Vaccari falou: ‘Nesse assunto especifico eu vou
consultar o Antonio Palocci’; porque o Lula encarregou o Palocci de cuidar
desse assunto. Aí Vaccari vai, tem a conversa, retorna e diz que a posição não
é de meio a meio; é 1/3 para a Casa e 2/3 para partido. A parte de 1/6 daria
US$ 33 milhões; multiplicado por seis daria quase US$ 200 milhões. Os 2/3 do
partido político, Vaccari me informou que iriam para o PT, José Dirceu e Lula.
A parte do Lula seria gerenciada pelo Palocci.
Encontros com Lula
No depoimento desta sexta ao juiz
Sérgio Moro, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque fez acusações
graves a Lula. Ele relatou três encontros com o ex-presidente. Nas três
ocasiões, Duque já não trabalhava na Petrobras e Lula já havia deixado a
Presidência da República. Mesmo assim, segundo Duque, o ex-presidente
demonstrou interesse e muito conhecimento sobre um determinado contrato da
Petrobras.
Pergunta: No momento que a Lava
Jato começou a existir, e ficou claro através do doutor Paulo Roberto que essa
investigação poderia alcançar partidos políticos, alguém lhe procurou para
pedir que o senhor tomasse providencias e evitasse que o senhor fosse
surpreendido com documentação?
Duque: Eu tive, após a saída da
Petrobras, três encontros com o Lula. Um em 2012, um 2013 e o último em 2014.
Nesse encontro de 2012, pra mim ficou muito evidente, fiquei surpreendido com o
conhecimento que ele tinha sobre esse projeto de sondas. Ele começou a fazer
perguntas sobre as sondas, uma delas porque não tinha sido assinado o contrato
ainda, já que tinha sido aprovado em abril. Falei: ‘Presidente, nem sabia que
não tinha sido, estou fora da empresa, não sei responder’. Então eu fiquei
surpreendido porque, naquela hora, eu, Lula e Vaccari, ficou claro para mim que
o nível de informação, ele conhecia tudo e falando esse tipo de coisa na frente
do Vaccari e na minha frente. Poxa, tá comandando tudo. O Vaccari realmente era
um braço que atuava pro Lula.
Renato Duque também afirmou que
Lula se mostrou preocupado com a possibilidade de que o ex-diretor da Petrobras
tivesse recebido propina em contas no exterior.
Duque: Aí teve um segundo
encontro que, da mesma maneira, ele fez perguntas sobre sondas porque não
estava recebendo até então, em 2013. Perguntou se eu sabia por que que as
empresas não estavam pagando, eu não soube responder também. E por fim, no
último encontro em 2014, já com a Lava Jato em andamento, ele me pergunta se eu
tinha uma conta na Suíça com recebimentos da empresa SBM, dizendo que a então
presidente Dilma tinha recebido a informação que um ex-diretor da Petrobras
teria recebido dinheiro numa conta da Suíça da SBM. Eu falei: ‘Não tenho
dinheiro da SBM nenhum, nunca recebi dinheiro da SBM’. Ele falou assim: ‘Olha,
presta atenção no que vou te dizer, se tiver alguma coisa não pode ter,
entendeu? Não pode ter nada no teu nome, entendeu?’ Eu entendi, mas o que eu ia
fazer? Não tinha mais o que fazer. Aí ele falou que ia conversar com a Dilma
que ela estava preocupada com esse assunto e queria tranquiliza-la. Mas, nessas
três vezes, ficou claro, muito claro pra mim que ele tinha pleno conhecimento
de tudo e detinha o comando.
Respostas
O Instituto Lula divulgou uma
nota em que declara que o depoimento do ex-diretor da Petrobras é mais uma
tentativa de fabricar acusações ao ex-presidente nas negociações entre os
procuradores da Lava Jato e réus condenados, em troca de redução de pena. A
nota não responde às acusações feitas por Duque.
O instituto declarou ainda que
esses réus não conseguiram produzir nenhuma prova daquilo que classificou como
denúncias levianas contra o ex-presidente depois de dois anos de investigações,
de quebra de sigilos e de violação de telefonemas.
O instituto acrescentou que
restou aos acusadores de Lula apelar para a fabricação de depoimentos
mentirosos.
Na nota, o Instituto Lula também
declarou que os três depoentes ouvidos na quinta (4) e na sexta (5) nunca
haviam mencionado o ex-presidente ao longo do processo; que são pessoas
condenadas a penas de mais de 20 anos de prisão; e que estão, objetivamente,
coagidas a negociar benefícios penais.
Os advogados do ex-presidente
também divulgaram nota. Eles afirmaram que os três depoentes ouvidos na quinta
e na sexta citam Lula, falam de encontros e de conversas com ele, mas não
trazem qualquer prova.
Segundo os advogados, quando
Renato Duque disse que Lula tinha conhecimento e comando de tudo, estava
tentando confirmar “falaciosa tese” de procuradores, e repetiram que
depoimentos não substituem provas.
Ainda segundo a defesa de Lula,
nenhum ato ilegal contra o ex-presidente foi identificado, mesmo depois de ele
ter sofrido uma devassa com quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico,
além de buscas e apreensões em sua casa e de seus familiares.
Por fim, a defesa disse que acha
estranho que, nos últimos dias, depois de o depoimento do ex-presidente ter
sido adiado, três pessoas que tentam fazer delações para reduzir suas penas
tenham resolvido falar.
A defesa do ex-ministro Paulo
Bernardo disse que as declarações de Duque são mentirosas e que o ex-ministro
nunca se encontrou com Duque para tratar de qualquer assunto relacionado à
Petrobras.
A defesa do ex-ministro Antonio
Palocci disse que o depoimento de Duque é uma tentativa desesperada para tentar
minimizar a condenação dele.
A ex-presidente Dilma Rousseff e
a defesa do ex-ministro José Dirceu não quiseram se manifestar.
A defesa do ex-tesoureiro do PT
João Vaccari disse que as declarações de Renato Duque não são verdadeiras e
devem ser recebidas com desconfiança porque vêm de alguém que está tentando
fechar acordo de delação premiada.
A empresa SBM não quis se
manifestar.
O JN não conseguiu contato com as
defesas de Delúbio Soares e Paulo Ferreira.
(Fonte: g1.globo.com/jornal-nacional/noticia)
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